Não é a primeira vez que Nuno Pina e Rúben Melo pisam, então, os relvados do Estágio do Jogador, do Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol, atualmente em Odivelas. Ambos com 26 anos, os dois futebolistas regressaram este ano com a mesma determinação de sempre: encontrar um clube que lhes dê uma nova oportunidade. “Eu já conhecia, sim. Acho que muitos jogadores têm preconceito de vir aqui ao Sindicato”, admite quem já defendeu as cores da B SAD na Primeira Liga. E está, atualmente, sem clube após passar pelo FC Ordino, de Andorra. Nuno Pina: “O Sindicato é uma porta para muita gente.”
O médio, que já jogou na Suíca, Itália, Espanha e Andorra, não esconde que já ouviu críticas sobre quem frequenta o estágio. “Já ouvi de tudo. ‘O Sindicato é só para largados ou para pessoas que estão tão mal que vão lá parar’. Acho que pensar assim é desnecessário.” Para Rúben Melo, defesa que jogou a última época no Fabril, a experiência é bem diferente. “Estive cá dois anos. Já era em Odivelas, até houve um torneio internacional”, recorda, antes de destacar a qualidade de quem marca presença: “Há jogadores de patamares muito elevados. Evoluímos mais com isso, porque puxam mais por nós.”
O ambiente competitivo é uma das grandes mais-valias do estágio, segundo os dois jogadores. “A equipa do Sindicato tem uma coisa que as outras não têm: a fome, motivação e a vontade de ter um clube”, explica Rúben Melo. Referindo-se, então, aos jogos que a equipa do Estágio do Jogador disputa contra outras formações: “É sempre bom para as duas equipas. É competitivo e difícil para os dois lados.”
Nuno Pina, que já recebeu abordagens desde o início do estágio, confirma a eficácia da iniciativa. “Desde o primeiro dia que recebi vários telefonemas e mensagens. O Sindicato é para qualquer jogador do mundo. É muito importante. Acho que o Sindicato é uma porta para muita gente”, avisa. O médio revela que até já saíram notícias sobre negociações com clubes da Segunda Liga e Liga 3, embora não tenha tido, efetivamente, conversas. “Até de pessoas no estrangeiro já recebi mensagens”, acrescenta.
Ambos os jogadores concordam com a treinadora Isabel Osório quando esta defende que o estágio deveria começar mais cedo. “Este foi o ano em que começou mais tarde. Penso que devido ao Mundial de Clubes ou à incerteza da colocação das equipas todas do Campeonato de Portugal tenha atrasado o arranque do estágio”, justifica Rúben Melo, explicando que habitualmente a iniciativa arranca nos primeiros dias de julho.
Nuno Pina vai mais longe e sugere uma reformulação completa. “Acho que devia começar mais cedo, sim. Estive com vários jogadores com clube e vi que ninguém parou, verdadeiramente. Hoje em dia nenhum jogador pára”, considera. O médio propõe, então, a criação de estágios diferenciados por patamares. “Uma ideia era fazer um Estágio de Primeira e Segunda Liga, outro de Liga 3 e Campeonato de Portugal e outros direcionados para mais escalões. Há jogadores de Primeira ou Segunda Liga que não ganham muito a treinar com jogadores de outros escalões”, explica.
Para além das questões técnicas, Nuno Pina aproveitou, então, a conversa com o Craques para abordar aspetos menos falados do futebol profissional. À questão ‘O que é que vos motiva a virem para cá todos os dias treinar à procura de um lugar no futebol profissional?’, a resposta foi: “Ainda hoje pensei nisso. Não sei mesmo o que me faz estar na luta. Já está no meu sangue”, confessa, revelando as dúvidas da própria família: “Uma pessoa da minha família disse-me: ‘O futebol profissional estraga-te mais a saúde mental do que tudo o resto. Porque estás a lutar por um sonho incerto’.”
A dureza das suas declarações reflete anos de angústias com um meio que conhece bem: “As pessoas não têm noção do preço que pagamos para sermos jogadores de futebol. Sacrificamos tudo, por um sonho incerto. Sacrificamos a vida. Temos insónias, ansiedade, o risco de correr mal, mal estar… Podes ter a estrela e acontece-te tudo, mas e se não tens? O desgaste mental, o tempo perdido.” O médio vai ainda mais longe ao abordar, então, os traumas que o futebol causa: “Quantos é que não conseguem e vivem com traumas? As pessoas falam do futebol, mas não falam dos traumas que o futebol causa. É um peso.”
A relação com os media é outro alvo das críticas de Nuno Pina, que se cansou de ser sempre apresentado como “o campeão da Europa”, em alusão ao Europeu sub-19 conquistado, então, em 2018. “Cada vez que sai uma notícia sobre mim é ‘o campeão da Europa’, mas para mim já passou muito tempo. Já estou cansado de ver o ‘Campeão da Europa’. Metam Nuno Pina. Mas se calhar não vai vender.” O jogador revela ainda como perdeu a paixão pelo futebol: “Já vi tanta coisa que perdi o amor pelo futebol. Hoje levo como um trabalho. Se me perguntarem o meu clube eu respondo que é quem me está a pagar. Sou fanático por algum clube? Não. Sou trabalhador de um clube.”
O médio não poupou críticas ao extra-jogo. “Cada vez mais o futebol é por cunhas e conhecimentos. Basta teres uma lesão ou contratempo e as pessoas esquecem o que fizeste no passado. É um mundo muito ingrato”, refere. Já Rúben Melo partilha da mesma filosofia de resistência: “É saberes que tens capacidade para jogar lá em cima. É saber que consegues fazer disto a tua vida durante um tempo, mas não tens tido a sorte e ainda sofres alguns contratempos.”
Rúben Melo assume, então, que a persistência é fundamental para não viver com arrependimentos: “Não quero ser essa pessoa que remói. Se desistirmos agora vamos viver eternamente com o ‘E se… e se…’. Não é um peso que quero levar comigo para sempre.” Uma filosofia que resume, então, muito bem o espírito de quem frequenta o Estágio do Sindicato. A recusa em desistir de um sonho, mesmo quando tudo parece conspirar contra ele.